Alquimistas sonham em transformar chumbo em ouro por milênios, e essa ideia foi realizada, ao menos por um breve instante, em um dos mais ambiciosos experimentos científicos da atualidade. Pesquisadores do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) conseguiram transmutar átomos de chumbo em ouro durante colisões de altíssima energia no Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, localizado na fronteira entre a Suíça e a França.
A proeza foi registrada pelo experimento ALICE, um dos detectores do LHC dedicado ao estudo de colisões entre íons pesados. Quando feixes de chumbo são acelerados a velocidades próximas à da luz e colidem, os campos eletromagnéticos intensos gerados nessas interações podem remover prótons dos núcleos atômicos.
Como o ouro possui três prótons a menos que o chumbo, essa “perda” resulta temporariamente na criação de átomos de ouro.

O maior acelerador de partículas do mundo, localizado na fronteira entre Suíça e França (Fonte: CERN)
O experimento
Segundo os cientistas envolvidos, entre os anos de 2015 e 2018, cerca de 86 bilhões de núcleos de ouro foram produzidos durante essas colisões — uma quantidade ínfima, equivalente a aproximadamente 29 trilionésimos de grama. Além disso, esses átomos são extremamente instáveis, durando cerca de um microssegundo antes de se desintegrarem ou colidirem com os próprios equipamentos do laboratório.
“Esta é a primeira vez que detectamos e analisamos sistematicamente a produção de ouro no LHC”, afirmou Uliana Dmitrieva, física da colaboração ALICE.
Ela destacou que, apesar da insignificância prática da quantidade produzida, o experimento fornece dados valiosos para a compreensão das interações entre fótons (partículas de luz) e núcleos atômicos.
A transmutação de elementos não é inédita na física nuclear. O fenômeno já havia sido observado entre 2002 e 2004, em níveis de energia mais baixos, no acelerador SPS, também operado pelo CERN. No entanto, o uso do LHC trouxe precisão sem precedentes à observação e análise desses processos.
Apesar de seu caráter simbólico e histórico, os cientistas deixam claro que não há qualquer intenção de transformar a produção de ouro em algo economicamente viável. O custo energético e tecnológico do processo torna qualquer aplicação prática inviável. Ainda assim, o feito representa um avanço notável no campo da física de partículas e da compreensão da estrutura da matéria.