Por Marianna Holanda e Raphael Di Cunto
(Folhapress) – A aprovação, pela Câmara dos Deputados, da suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) pode abrir caminho para o trancamento de processos contra outros parlamentares no STF (Supremo Tribunal Federal).
O PL pediu à Câmara que também suspenda a ação contra a deputada Carla Zambelli (PL-SP) pela suposta invasão hacker ao sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A Primeira Turma do STF já tem maioria (4 votos a 0) para condená-la a dez anos de prisão e à perda do mandato parlamentar. O argumento é de que haveria uma perseguição contra parlamentares por parte do Judiciário.
Com base nisso, também foi mencionada a possibilidade de solicitar a paralisação do processo contra o ex-ministro das Comunicações Juscelino Filho (União Brasil-MA), se confirmado o recebimento da denúncia contra ele pelo Supremo.
Juscelino foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) sob a acusação de desvio de emendas parlamentares, o que levou à queda dele do ministério do governo Lula (PT).
A interlocutores ele tem negado que exista a possibilidade de que o partido peça a suspensão. Diz que uma medida do tipo não cabe neste momento, porque acredita que o STF não aceitará a denúncia, e que não autorizou conversas sobre o tema em seu nome.
No caso dele, diferentemente do processo contra Zambelli, a acusação ainda não se transformou em ação penal, momento em que a Constituição prevê que o Congresso pode sustar o andamento do processo até o fim do mandato. A mudança de status só ocorre caso seja aceita a denúncia e o deputado se torne réu.
O mecanismo foi incluído na Constituição de 1988, após a ditadura militar, para preservar as prerrogativas do Legislativo e evitar perseguições judiciais aos parlamentares. Na semana passada, ele foi utilizado pela primeira vez em décadas para suspender a ação penal contra um deputado.
A Câmara chegou a aprovar uma paralisação ainda mais ampla, que poderia beneficiar todos os réus do processo contra Ramagem, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Eles são acusados de participarem da tentativa de um golpe de Estado, o que eles negam.
Depois da votação pela Câmara, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da medida e paralisou a ação penal contra Ramagem por apenas dois dos cinco crimes sobre os quais ele é acusado. O resto do processo, inclusive as acusações contra Bolsonaro, seguirá normalmente o rito no Judiciário.
O requerimento do PL para que a Câmara suspenda a ação penal contra Zambelli foi protocolado no dia 29 de abril, antes da votação sobre Ramagem, mas o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), ainda não despachou o pedido para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Diante de um placar de 5 a 0 na Primeira Turma da corte, o STF derrubou a decisão da Câmara (Foto: Reprodução)
Defesa de Zambelli
A defesa de Zambelli solicitou nesta segunda-feira (12) que o julgamento contra ela no STF fosse paralisado até a Câmara se pronunciar sobre o pedido do PL -o que ainda não tem data para ocorrer.
O recurso da defesa, porém, foi negado no mesmo dia pelo ministro Alexandre de Moraes, que destacou só caber a suspensão para supostos crimes cometidos após a diplomação.
A acusação contra Zambelli é pela invasão hacker ao sistema do CNJ em 2018, antes do atual mandato, para inserir um mandado de prisão falso contra Moraes. O PL sustenta que ela exercia o mandato de deputada federal na época e, por isso, já teria direito a esta prerrogativa.
O caso pressiona Motta a tomar uma decisão sobre o pedido do PL, o que pode iniciar uma nova escalada nas tensões com o Supremo. Mas, como a Folha de S.Paulo mostrou, líderes de partidos de centro e de esquerda querem evitar uma nova crise com o STF após o episódio com Ramagem.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está morando nos Estados Unidos, levantou a possibilidade de suspensão da ação penal como uma resposta da Câmara ao Supremo.
“Se quiser mandar recado pro STF, também poderia ser votada a suspensão do processo contra a deputada Carla Zambelli. Independente do mérito, seria um bom recado pra colocar freio no STF, para garantir e utilizar toda prerrogativa parlamentar”, disse.
Possível crise entre Câmara e STF
Motta disse em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta sexta-feira (9) que esperava que o STF mantivesse a decisão da Câmara o que não ocorreu, diante de um placar de 5 a 0 na Primeira Turma da corte para derrubar a medida.
Apesar disso, lideranças do centrão dizem, reservadamente, que não veem espaço para uma resposta sem que pareça um novo capítulo de crise entre os Poderes. Avaliam ainda que é suficiente trancar parte da ação penal resguardando apenas Ramagem.
O tom ainda é de cautela. Um líder do centrão disse que, se Motta for sensato, vai evitar a escalada da crise.
Mas, da forma como conduziu até o momento, dá brecha para ser amplamente cobrado pela oposição caso não reaja.
Outros dois parlamentares do centrão afirmam que é prematuro tentar medir, neste momento, se haveria votos suficientes para trancar também a ação contra Zambelli, mas que consideram improvável uma decisão dessas porque isso faria a relação com o STF ficar ainda mais estremecida.
A Primeira Turma do STF formou maioria na última sexta para condenar a deputada do PL. Depois do final do julgamento, ainda caberá recurso no STF, e as penas só deverão ser aplicadas depois do trânsito em julgado do processo (quando não são possíveis mais recursos).
Em nota, a defesa de Zambelli afirmou que o Supremo desprezou argumentos que levariam à nulidade do processo e cerceou o trabalho da defesa. Seus advogados vão recorrer da decisão.
A deputada afirmou que é vítima de perseguição política e que o voto de Moraes desconsidera os fatos.
Em março, o STF já havia formado maioria para condenar Zambelli a 5 anos e 3 meses de prisão em regime semiaberto e à perda de mandato por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com emprego de arma. O julgamento foi suspenso devido a um pedido de vista de Kassio.