Por Cleber Lourenço
Relatórios oficiais e investigações da Polícia Federal mostram que o avanço do esquema de descontos indevidos no INSS foi viabilizado por uma estrutura montada dentro da própria administração da Previdência durante o governo de Jair Bolsonaro. Ex-presidentes do INSS, procuradores, diretores e aliados políticos participaram da formação de uma rede que blindou entidades fantasmas, liberou convênios e ignorou alertas de órgãos de controle.
O ex-secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, atuou no início da gestão Bolsonaro e abriu caminho para nomeações que seriam determinantes para a expansão do esquema. Leonardo Rolim, que o sucedeu na presidência do INSS, assinou o acordo com a CONAFER, uma das entidades com maior volume de reclamações por cobranças indevidas.
José Carlos Oliveira, que depois mudou o nome para Ahmed Mohamad Oliveira Andrade, comandou o INSS e depois virou ministro do Trabalho. Durante sua gestão, suspensões de convênios foram interrompidas, beneficiando diretamente entidades como a AMBEC. Segundo a Polícia Federal, Oliveira realizou transações suspeitas com operadores ligados à CONAFER e manteve relação empresarial com José Laudenor, nome também investigado.
No âmbito jurídico do INSS, o então procurador-geral Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho recebeu R$ 11,9 milhões de entidades investigadas e viajou com Danilo Trento, sócio oculto da Precisa Medicamentos, empresa ligada ao escândalo da Covaxin. Já Alexandre Guimarães, diretor de Governança nomeado em 2021, foi demitido no governo Lula, em 2023. Dois anos depois a PF apontou que ele recebeu mais de R$ 300 mil do chamado “Careca do INSS”.

Rogêrio Marinho foi secretário especial de Previdência do governo Bolsonaro
CPMI do INSS pode ser dor de cabeça para bolsonaristas
Entre os operadores empresariais, Maurício Camisotti aparece como nome central. Ele é ligado a Danilo Trento e à Precisa, foi identificado como sócio oculto da AMBEC e controlador do grupo THG, que inclui entidades como CEBAP e UNASBRAS. Segundo investigações, usou laranjas para movimentar cerca de R$ 43 milhões via descontos no INSS e também é ligado ao escândalo da Covaxin.
Outro nome da engrenagem é Marcos Tolentino, advogado da Prevident, amigo de Ricardo Barros e também ligado a Trento. Apontado como figura de confiança do grupo, Tolentino participou da articulação jurídica de associações que hoje concentram o maior número de queixas no Reclame Aqui.
As relações com o bolsonarismo não param nas nomeações. O “Careca do INSS”, principal operador do esquema segundo a PF, realizou doação simbólica à campanha de Jair Bolsonaro em 2022. Já Felipe Macedo Gomes, um dos presidentes de associação envolvida no esquema doou R$ 60 mil para Onyx Lorenzoni.
Diante das provas acumuladas, a instalação de uma CPI ou CPMI sobre o tema carrega o risco de se voltar contra a própria base bolsonarista, assim como a CPMI do 8 de janeiro. Naquela ocasião, a oposição insistiu em abrir a comissão acreditando que traria desgaste ao governo, mas o processo acabou evidenciando conexões constrangedoras entre os ataques golpistas e integrantes da base bolsonarista, incluindo militares e ex-ministros. No caso do INSS, há farto material probatório já em posse da Polícia Federal e do TCU que aponta que o núcleo da fraude se organizou durante o governo Bolsonaro — com nomes, convênios, transferências e vínculos políticos documentados.
A tentativa de restringir a crise ao atual governo esbarra na cronologia dos fatos e na identificação dos responsáveis pela expansão das entidades mais denunciadas por aposentados e pensionistas.