Há mais de 30 anos, as famílias do Aturiá tecem suas vidas à margem do rio – entre memórias que se entrelaçam, lutas compartilhadas e laços profundos com a comunidade que ajudaram a construir. Hoje, enfrentam a sombra da remoção forçada carregando não apenas o medo e a revolta, mas um clamor essencial: o direito de ver respeitada sua história e o amor que, tijolo por tijolo, construíram por suas casas e por cada rosto que compõe essa teia humana.
Na imagem, moradores questionam o projeto com o secretário da SEINF.
O governo do Amapá iniciou em fevereiro de 2024 uma obra de requalificação da orla, que vai do bairro Araxá até a Avenida Equatorial, com cerca de 1 km de extensão. Orçado em R$ 29 milhões, o projeto é financiado por emendas do senador Davi Alcolumbre, via Caixa Econômica Federal, e executado pela Secretaria de Estado da Infraestrutura (Seinf). A promessa é de um espaço com pavimentação, áreas de esporte, convivência, playgrounds e contemplação — uma obra pensada, segundo o governo, para integrar a comunidade.
Imagem do lançamento da obra em 2024
Mas quem vive no Aturiá há décadas não se sente parte desse plano. Pelo contrário.
“Essa orla vem com a promessa de progresso, mas querem fazer isso passando por cima das nossas casas. O muro de arrimo era pra ser feito mais pra fora, na praia, mas mudaram o projeto e agora querem derrubar nossas casas. Isso não é governo sério”, desabafa o presidente da Associação de Moradores do Aturiá.
Na imagem, onde aparecem as canoas, era para ser construído o muro de arrimo, mas no novo projeto fizeram quase em cima das casas dos moradores.
As famílias denunciam abuso de poder, pressão psicológica e o uso da força para forçar a saída. “Vieram com polícia, Ministério Público e um valor de indenização que não paga nem 50% do que investimos aqui em 30 anos”, conta uma moradora. Eles alegam que pagam IPTU, que suas casas estão mapeadas pela Prefeitura, e que têm documentos e endereço reconhecido.
“Não queremos impedir o progresso, só queremos que ele inclua a nossa história. Se for pra sair, saímos. Mas com dignidade, com avaliação justa. Se não fosse a gente, esse bairro nem existia mais”, completam os moradores, entre lágrimas e indignação.
“A comunidade clama por um olhar mais humano: que as autoridades nos ouçam de verdade, trazendo não apenas decisões, mas diálogo sincero, respeito às nossas histórias e reparação que seja justa. O Aturiá não é feito só de paredes – é tecido de lutas compartilhadas, de afetos que resistem no tempo. Aqui, cada casa guarda memórias que são coletivas, risos que ecoam nas esquinas, lágrimas que secaram juntas. Resistimos não por teimosia, mas porque amar este lugar é honrar quem construiu essa história conosco.” disse o presidente da associação de moradores do aturiá
O progresso que apaga histórias pode até ser bonito na foto, mas carrega cicatrizes que nem um milhão de praças podem curar.