Macapá (AP) – 10 de abril de 2025, a capital amapaense foi palco do 1º Seminário de Habitação e Moradia Popular, um espaço de diálogo entre movimentos sociais, poder público e comunidades afetadas por conflitos urbanos e fundiários. Organizado na Sede dos Servidores Municipais, o evento reuniu lideranças locais e nacionais para discutir políticas habitacionais, regularização de terras e os desafios enfrentados por populações vulneráveis no estado.
Abertura: Histórico de Lutas e Atrasos em Obras Públicas
O seminário foi aberto com a fala do presidente Dodsom Kennedy, da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) no Amapá, que traçou um panorama crítico das lutas por moradia no estado. Em sua explanação, Kennedy destacou a histórica falta de investimentos em habitação social e criticou o que chamou de “política de enxugar gelo” por parte do governo estadual.
“O poder público insiste em um modelo falido: tira famílias de áreas de risco, como as margens de canais, as reassenta em conjuntos do Minha Casa Minha Vida, mas depois permite que elas retornem às mesmas áreas inseguras por falta de políticas de fixação e geração de renda”, denunciou Kennedy.
Segundo o líder comunitário, esse ciclo vicioso ocorre porque muitas famílias, após serem transferidas para novos conjuntos habitacionais, enfrentam dificuldades de adaptação e, sem apoio social, acabam voltando às palafitas em zonas alagadiças, mantendo intacto o problema da ocupação irregular em áreas de risco.
“Não adianta apenas dar a casa se não houver infraestrutura, transporte, emprego e acesso a serviços básicos. Sem isso, as pessoas não conseguem se manter nos novos locais”, afirmou.
Kennedy cobrou do governo estadual e municipal um planejamento integrado que vá além da simples construção de moradias, incluindo políticas de assistência social e desenvolvimento urbano sustentável para evitar o retorno às áreas de risco.
Em seguida, o superintendente regional da Caixa Econômica Federal foi interpelado por moradores que aguardam há oito anos a entrega do Residencial Janary, conjunto habitacional na região da Fazendinha. Durante sua explanação, ele explicou que os atrasos ocorreram devido a questões burocráticas e à necessidade de ajustes contratuais, mas garantiu que os recursos para conclusão da obra estão assegurados e que o novo prazo para entrega das unidades será maio de 2026.
A plateia, formada em grande parte por beneficiários do programa, manifestou insatisfação com a demora. “Estamos há quase uma década dividindo casas com parentes ou dependendo de aluguéis sociais, enquanto nosso sonho da casa própria fica sempre no papel”, desabafou dona Maria, uma das inscritas no programa. Outros moradores relataram dificuldades financeiras para manter os aluguéis provisórios enquanto aguardam a tão prometida moradia.
O superintendente reconheceu a frustração dos beneficiários, mas afirmou que a Caixa está trabalhando para acelerar os trâmites finais. “Compreendemos a angústia das famílias e estamos empenhados em resolver as pendências o quanto antes”, declarou, sem contudo apresentar um plano concreto para compensar os anos de espera das famílias afetadas.
Mulheres na Luta por Moradia e a Questão Fundiária
Mulheres na Linha de Frente: A Luta pela Moradia Digna no Brasil
“São as mulheres que seguram as crianças no colo enquanto enfrentam a violência do despejo. São elas que improvisam panelas coletivas nos acampamentos, transformam barracos de lona em lares e lideram a resistência quando o poder público tira seus direitos.”
Foi com essa fala emocionante que Graça Xavier, histórica militante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) em São Paulo e referência nacional na luta pelo direito à cidade, resumiu o papel das mulheres nos movimentos de ocupação. Em seu discurso durante o encontro ela relembrou décadas de resistência:
“Nos anos 80, as mulheres já eram as primeiras a chegar nos terrenos baldios, com balde e vassoura, para construir o que o Estado negava. A UNMP nasceu desse chão, da coragem de mães que enfrentavam a polícia com panela vazia e voz cheia de justiça, não somos coadjuvantes. Quando o governo do estado ameaça derrubar um barraco, somos nós que fazemos o escudo humano”, Graça Xavier (UNMP-SP)
“Sem Terra, Não Há Moradia”: A Luta pela Regularização Fundiária no Brasil
“Enquanto o governo demora a titular um terreno, grileiros agem na velocidade do crime. E quem paga o preço são sempre as famílias pobres, expulsas de casas que construíram com suor.”
Foi com essa crítica contundente que Sidney Pita (UNMP-SP), veterano na luta pela regularização fundiária e voz ativa nos debates urbanos, resumiu a realidade enfrentada por milhares de brasileiros.
“A regularização não é burocracia – é sobre vidas. Já vi crianças perderem ano escolar porque foram despejadas, idosos morrerem de desgosto após verem sua casa demolida. A terra documentada é o primeiro passo para a dignidade.”
Raízes da Luta
A “função social da propriedade”, mas desde então trava uma batalha contra a morosidade do Estado. Sidney, que atua há mais de 30 anos no movimento, lembra casos emblemáticos:
- Ocupação Anchieta (SP, 1999): Famílias resistiram por 18 anos até conquistarem a titulação.
- Conflito em Rio das Pedras (RJ): Uma área de 1.200 famílias ameaçada por milícias, onde a UNMP atuou na defesa jurídica.
- Lei de Regularização Fundiária (Lei 11.977/2009): Vitória parcial, mas que ainda esbarra na falta de vontade política.
O Futuro Exige Ação
Em 2024, a UNMP intensificou a pressão por políticas de titulação em massa, especialmente após o aumento de grilagem em áreas urbanas. Como Sidney afirma:
“Ou o Estado titula, ou o crime organizado ocupa. E nós não vamos deixar que a especulação vença.” Sidenei pita (UNMP-SP)
Conflitos Fundiários em Destaque: Quilombos, Ocupações e Pressão do Estado
Três casos emblemáticos dominaram os debates e serão encaminhados a instâncias federais:
1. Conflito em Quilombos do Goiabal e Lagoa dos Índios
Comunidades remanescentes de quilombo, reconhecidas pela Fundação Palmares, denunciaram tentativas de grilagem por empresários locais. Essas terras, ocupadas há séculos, estão sob disputa, com ações judiciais que questionam a posse das famílias.
- O que diz a lei?
- A Constituição Federal (Art. 68 do ADCT) garante a titulação de terras quilombolas.
- O decreto federal 4.887/2003 regulamenta o processo, mas a demora na demarcação deixa comunidades vulneráveis.
2. Ocupação do Curralinho: Ameaça de Expulsão
Moradores da Ocupação Curralinho relataram pressão de um grupo que alega ser dono das terras, mas não apresenta documentos válidos. Há relatos de intimidação e violência, com risco de despejo forçado.
- Qual a solução possível?
- A regularização fundiária urbana (Lei 11.977/2009) prevê a concessão de títulos a ocupações consolidadas.
- O Ministério Público pode ser acionado para evitar violações de direitos.
3. Orla do Aturiá: Desapropriações sem Transparência
A Associação dos Moradores do Aturiá questionou a ação do governo do Amapá, que estaria forçando famílias a saírem para a construção de um projeto de orla sem apresentar:
- Plano de reassentamento;
- Indenizações justas;
- Projeto urbanístico detalhado.
A Caixa Econômica, responsável pelo financiamento, também não divulgou informações claras, gerando desconfiança.
Encaminhamentos: Pressão sobre Governo e Órgãos Federais
As demandas levantadas no seminário serão formalizadas e enviadas a:
- Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania – Para mediação de conflitos;
- Fundação Cultural Palmares – Aceleração de titulação quilombola;
- INCRA – Análise de disputas agrárias;
- Defensoria Pública da União – Acompanhamento de casos de despejo.
Próximos Passos
- Audiência pública na Assembleia Legislativa do Amapá para pressionar por respostas;
- Caravana a Brasília para reunir-se com ministérios;
- Monitoramento do Residencial Janary para evitar novos atrasos.
Leia mais:
- Direitos Quilombolas – Fundação Palmares
- Programa Moradia Digna – Caixa Econômica
- Lei de Regularização Fundiária (11.977/2009)
Com informações do 1º Seminário de Habitação e Moradia Popular de Macapá e entidades de direitos humanos.